quarta-feira, 9 de junho de 2010

Uma carta para ti...

      É mais fácil arrancar uma árvore à terra com todas as suas raízes do que esquecer a intimidade. Tu vives em mim por tudo o que representaste de bom e que foste de mau. E, no entanto, não tenho de ti nenhum sentimento de raiva, de revolta, de tristeza ou de desejo de esquecimento por todas as desilusões e desgostos que me causaste; fui eu que deixei que me fizesses mal e sei melhor do que ninguém que nunca me quiseste magoar.
       E ai apercebi-me que estava num labirinto, só nos apercebemos que vivemos dentro de um, quando nos aparecem labirintos ainda maiores, e o teu é dos mais vastos e complexos que já visitei...E ouvi dizer: 
"A vida espera sempre por nós, só a morte é que nunca espera."
      Vivo á 3 anos apaixonada por ti. No primeiro. lutei com todas as minhas forças para te amar. Sonhei contigo, desenhei tantas vezes a quase ridícula vivência a dois, esperei por ti. Escrevi muito e acabei entregue à solidão da espera. Mas tentei fechar os olhos da minha compreensão num gesto de teimosia descontrolada. Amava-te demasiado, desistir de ti era quase como morrer.
      No segundo ano, quando finalmente não tive outro remédio senão aceitar que me amavas de maneira diferente, era-me mais fácil então ficar temporariamente cega do que aceitar a realidade, e mergulhei numa tristeza imensa que me devorou por dias, tentei esquecer-te, mesmo sabendo que isso nunca iria acontecer.

     Deves perguntar-te porque te escrevo esta carta; nem eu própria sei. Tenho a certeza de que não te devo nada e que escrevo para mim própria, porque nem a deves ler; consciente de que ao pensar em ti estou ainda a dar-te espaço e tempo que o mundo inteiro pensa que não mereces. Mesmo assim, remando contra a corrente do que seria correcto e razoável, prefiro limpar o meu coração. Gosto de pensar que é um coração novo desde que fui magoada e nele apareceu um buraco que me podia ter custado a vida.

     Vou pensando em ti e em nós cada vez menos, embora te mentisse se te dissesse que não me lembro várias vezes. As coisas mais insignificantes ainda me trazem a tua imagem. Lugares onde estivemos, frases, ideias, músicas, cheiros, pequenos nadas que me levam até à memória do que fomos, memórias nas quais me deixo ir como se de um barco se tratasse. Os brasileiros usam o verbo ser ligado à paixão. Eles dizem sou apaixonado por voçê para distinguir de estou apaixonado. É lindo, não é? O amor que disparou por ti veio reforçar o afecto que sinto pelo teu irmão e alastrou-se à tua mãe.
    Tenho sempre saudades dele, há em mim um carinho infinito por ele, uma declinação do mesmo que sinto por ti. Voçês fazem-me falta, porque sempre os imaginei como a minha família. Não. O verbo certo não é imaginar, é sentir. Sempre os senti como a minha família.


      O mesmo sentimento passa pela tua mãe, que acabou por se tornar tão cúmplice e tão amiga nesta minha loucura firme por ti.
     Recordo-me como se tivesse sido ontem, de uma das vezes em que estivemos juntas. Encontrei-a por acasso e aquele sorriso inalteseu-me e confortou-me.

      Depois de te ter visto passar em Dezembro por mim, demorei duas ou três semanas a descer à terra. Chorei muito durante essas semanas, saí pouco de casa. E em vez de ir melhorando, a tristeza e a desolação iam ganhando mais terreno; os dias pareciam-me imensos, acordava cedo e só pensava onde iria arranjar forças para enfrentar as horas de luz até o Sol se pôr.
     As noites ainda eram piores, arrastando-se em sequências de longas horas vazias e sufocantes, sobrecarregadas e infinitas.

      Lembro-me dessas semanas com dificuldade, apanas sei que chorava muito, porque acreditava que as minhas lágrimas acabariam por levar a tristeza, a desilusão e o desânimo e libertar-me de ti. Mas nem sempre é assim; a dor alimenta-se sobretudo de dor e as dores da alma vivem de mãos dadas com o sofrimento.

E fico com a certeza que:

"Quando amamos alguém,
não perdemos só a cabeça,
perdemos também o nosso coração.
Ele salta pra fora do peito
e depois, quando volta,
já não é o mesmo, é outro,
com cicatrizes novas.
E outras vezes não volta.
Fica do outro lado da vida,
na vida de quem não quis
ficar ao nosso lado."
  Margarida Rebelo Pinto



Mas sempre soube também que "a esperança é sempre a última a morrer..."

1 comentário:

  1. Absolutamente linda a tua forma de escrever... apesar da "tristeza" toda que a carta mostra que sentes, foi dos textos mais bonitos que alguma vez li.

    Muita força linda...

    Um beijo muito grande.
    Cristina Ponte

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